A NATUREZA DO CONFLITO
Imaginem a cena: Um monge budista, em uma cidade interiorana da China pré-moderna, caminhando pela cidade afim de adquirir suprimentos para o Templo, topa com um grupo de desocupados que decide fazer bullying com o jovem monge. O monge, com sua expressão de paz e tranquilidade, mãos sobrepostas em gasho rei, pouco se importa com os detratores até que, estes avançam o limite das palavras e tentam agredir o monge. Este, então, mostra-se um exímio lutador de Kung Fu, esquivando-se dos seus detratores que lançam golpes ao ar e com poucos movimentos, o monge derrota 4 ou 5 homens sem nem mesmo sujar seu manto laranja.
Neste momento me pergunto. Como um
monge budista, defensor da filosofia Chan (ou Zen em japonês), uma pessoa que
prega a paz, a harmonia entre os seres, pode ser um exímio lutador de artes marciais,
as artes da guerra?
Sun Tzu, grande general chinês e
um estrategista tão fenomenal que nunca foi derrotado em batalha, escreveu o
famoso livro A Arte da Guerra, que é admirado por todos os estrategistas e artistas
marciais do mundo. Como um taoísta, Sun Tzu foi um mestre dos paradoxos. A
essência do Arte da Guerra pode ser aplicado a guerra, como a qualquer outro
aspecto da vida. E isso nos leva, novamente, ao paradoxo do monge pacífico e
mestre em Kung Fu.
O monge e os seus detratores mostram
um aspecto comum da vida humana: o conflito. Heráclito de Éfeso, grande
filósofo pré-socrático, afirmava que a vida é uma constante luta de opostos. Só
conhecemos o bem, porque o comparamos ao mal. Só conhecemos o alto, ao compararmos
com o baixo. Temos o velho e o novo, a água e o fogo, a paz e a guerra. Enfim,
nesta luta de opostos reconhecemos o contínuo movimento do mundo e a própria
dinâmica da vida. Curiosamente, aqui o Ocidente e Oriente se encontram na
relação da teoria de Heráclito ao símbolo Taoista do Yin e Yang, onde temos o preto
e o branco, mas ao mesmo tempo um pouco do preto no branco e do branco no
preto. Os opostos que também se complementam.
Nesse paradoxo vemos que a vida é
feita de conflitos e mesmo que busquemos a paz, sempre haverá momentos de
conflito que, enfim, nos mostram que estamos vivos. Paz não é inação, mas a harmonia
dos opostos. Afinal, os conflitos nunca deixam de existir em nossa vida diária,
a cada passo que damos.
Durante um combate em artes marciais
temos dois opostos, um conflito. Não só um conflito entre duas pessoas. Mas, um
conflito entre a estagnação e a ação, entre o medo e a coragem. Muitos podem
olhar de uma forma rasa como se o embate entre dois artistas marciais fosse
apenas uma expressão da violência, um querendo derrotar o outro. Contudo,
qualquer um com dois dígitos de QI sabe que existe muito mais em jogo. Existe
estratégia, existe um grande trabalho de concentração, de domínio dos próprios
medos, de desafio dos limites do seu corpo, da busca da paz após o extravasar
de seus demônios internos. Findado o combate, ambos se cumprimentam
respeitosamente, sabendo que deram o seu melhor e que precisam progredir em
suas limitações.
No entanto, não termina aí...
lembram do paradoxo? Pois ele continua. O artista marcial sabendo da sua
superioridade em combate, não vê necessidade de atacar o mais fraco. Pois conhece
suas habilidades. Esquiva-se do conflito, assim como o monge que falamos
inicialmente vencendo sem precisar da violência. Como dizia Morihei Ueshiba “Resolver
os problemas antes de eles tomarem forma é o caminho do guerreiro”.
Mas, como Sun Tzu na Arte da Guerra, essa estratégia pode ser levada para a vida. Basta vermos o combate como os conflitos da nossa própria vida. Precisamos foco, atenção plena, saber antever os golpes, saber esquivar e atacar na hora certa.
Desta feita, vemos que a atitude
do monge do inicio do nosso texto continua sendo a paz, embora o conflito tenha
sido inevitável. E quando o conflito é necessário, temos que ter estratégia, foco
e paciência para vencê-lo e retomarmos o equilíbrio. Assim é o combate, assim é
a vida.
Na primeira nobre verdade do
Budismo está escrito: O mundo é sofrimento. Portanto, é conflito. Nas outras três nobre
verdades, Budha nos alerta que devemos reconhecer a causa do sofrimento, saber
que podemos eliminar esse sofrimento e, por fim, buscar a estratégia que nos
levará a cessação do sofrimento.
Por mais paradoxal que possa
parecer, a arte marcial, uma “arte da guerra”, nos proporciona chegar a paz.
Paz Profunda!!
Prof. Guilherme Fauque
Nenhum comentário:
Postar um comentário